Atos

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sábado, 11 de agosto de 2012

Annita e sua poesia de muitas vozes

A postagem hoje vem a mostrar uma das musas que descobri nas minhas recentes leituras poéticas, dona de uma poesia fabulosa. Escritora contemporânea e de uma linguagem contemporânea, que me faz revisitar uma das citações de Apollinaire, que afirmava todas as formas serem boas desde que fossem vivas e falassem com a alma. A poesia de Annita Costa Malufe fala com a alma, num discurso íntimo e de grande propriedade estética. Vozes entrecortadas, memórias, flashes e, acima de tudo, uma grande subjetividade, compõem os seus versos. Versos que por vezes crescem na voz, às vezes marejam como o mar, trabalhando ideias num plano de fundo que vão e voltam na leitura. Carece uma leitura atenta para apreendê-la, carece lê-la com os olhos da alma.

Segue, pois, um de seus poemas que compõe o livro "Como se caísse devagar":

“seu corpo estava torcido ao revés
e havia uma dor
uma chuva interminável
o dia todo passado ao relento e
ele então andaria mais algumas quadras
para se abrigar algumas quadras a mais
tendo aquela mulher na cabeça
eu não posso te esquecer eu preciso
te esquecer como quem esquece um guarda-chuva
no táxi como quem esquece
a letra de uma música que ouvia todos os dias
eu não posso te esquecer enquanto o dia não abre
andar mais umas quadras um toldo para se abrigar
isto me faz lembrar de algumas tardes
de cabelo encharcado pés encharcados
sem poder voltar para casa
esperar a chuva passar o sapato secar
isto me faz lembrar me faz esquecer
algumas tardes vazias procurando modos de
ocupar o tempo modos de escorrer o tempo
até o próximo dia a próxima luz
fazer esquecer pode passar por isto
você abre a cortina e de início não encontra nada
você coloca as mãos para fora e as mãos
buscam rapidamente o casaco
ela se lembrava de esperar mais um pouco
ocupar as tardes vazias
isto soava uma coisa de juventude
tardes vazias procurar o que fazer
aguardar a chuva passar os sapatos secarem
quem estaria vivendo isto hoje ele ela
o corpo ao revés as mãos frias sob o casaco
o dorso se desviando levemente
tardes vazias a chuva interminável
se abrigue neste toldo posso
te fazer dormir
até o próximo dia a próxima luz
posso te fazer dormir”

Annita Costa Malufe

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