A postagem hoje vem a mostrar uma das musas que descobri nas
minhas recentes leituras poéticas, dona de uma poesia fabulosa. Escritora
contemporânea e de uma linguagem contemporânea, que me faz revisitar uma das
citações de Apollinaire, que afirmava todas as formas serem boas desde que
fossem vivas e falassem com a alma. A poesia de Annita Costa Malufe fala com a
alma, num discurso íntimo e de grande propriedade estética. Vozes
entrecortadas, memórias, flashes e, acima de tudo, uma grande subjetividade,
compõem os seus versos. Versos que por vezes crescem na voz, às vezes marejam
como o mar, trabalhando ideias num plano de fundo que vão e voltam na leitura.
Carece uma leitura atenta para apreendê-la, carece lê-la com os olhos da alma.
Segue, pois, um de seus poemas que compõe o livro "Como se caísse devagar":
“seu corpo
estava torcido ao revés
e havia uma
dor
uma chuva
interminável
o dia todo
passado ao relento e
ele então
andaria mais algumas quadras
para se
abrigar algumas quadras a mais
tendo aquela
mulher na cabeça
eu não posso
te esquecer eu preciso
te esquecer
como quem esquece um guarda-chuva
no táxi como
quem esquece
a letra de
uma música que ouvia todos os dias
eu não posso
te esquecer enquanto o dia não abre
andar mais
umas quadras um toldo para se abrigar
isto me faz
lembrar de algumas tardes
de cabelo
encharcado pés encharcados
sem poder
voltar para casa
esperar a
chuva passar o sapato secar
isto me faz
lembrar me faz esquecer
algumas
tardes vazias procurando modos de
ocupar o
tempo modos de escorrer o tempo
até o
próximo dia a próxima luz
fazer esquecer
pode passar por isto
você abre a
cortina e de início não encontra nada
você coloca
as mãos para fora e as mãos
buscam
rapidamente o casaco
ela se
lembrava de esperar mais um pouco
ocupar as
tardes vazias
isto soava
uma coisa de juventude
tardes
vazias procurar o que fazer
aguardar a
chuva passar os sapatos secarem
quem estaria
vivendo isto hoje ele ela
o corpo ao
revés as mãos frias sob o casaco
o dorso se
desviando levemente
tardes
vazias a chuva interminável
se abrigue
neste toldo posso
te fazer
dormir
até o
próximo dia a próxima luz
posso te
fazer dormir”
Annita Costa Malufe
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