Tenho quase uma necessidade de
tomar nota da vida, aqui e acolá. Escrever para mim um diário ocasional, como
este de que me aproprio vez ou outra para o mister de confessionário.
Entre um músculo e outro que se contrai,
respiro. Dentro a sensação de ter deixado um turbilhão, uma vida de outrem para
viver a minha. Volteio a casa, sento-me à cozinha, vejo a pia, gota a gota,
escorrendo uma vida. Sei que não é a minha. Aperto a pia, aperta-me uma veia
bem fundo. Desço a mão à torneira, e estreito a sua fragilidade de gotejar
vidas.
Pausam-me os olhos sobre alguma
memória. Não a distingo, e vivo bem por alto.
Queria tanto dizer às pessoas que
amo como a vida tem acontecido! Ninguém jamais soube que o meu mapa astral é
outro, que tenho errado de ascendente... Além disso, eu descobri que o amarelo
tem outros tons. Que a chuva quando cai lá fora me molha um pouco. Eu descobri
que posso reescrever-me. Que mais do que nunca eu tenho me reescrito. Eu
descobri que é preciso ler Paul Valéry. E que há coisas que eu só entendo por
uma criança. Além de tudo, hoje eu sei, como Darcy disse, que às vezes é
preciso mudar para permanecer o mesmo.