Atos

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terça-feira, 15 de dezembro de 2009

A minha alma não se angustia apenas, a minha alma sangra



Dopei-me esta última semana de bons versos portugueses, não de um ‘pessoa’, mas de outro, alguém que há tempos habitava a órbita de minha curiosidade. Perdoem-me, no entanto, se há muito não falo, mas precisava dar-me ao gosto de alguma dor já sentida, de algum calafrio incolor, de um desvairar modernista... E para tanto, pus-me a trafegar uma ponte de tédio que vai de mim para o Outro. E a monumental ponte pela qual passei tinha gravada em si o nome “Mário de Sá-Carneiro”. Como é estranho conhecer um desconhecido...


Hoje, antecipo o ponto final da postagem, e deixo para outro dia as flores.

domingo, 25 de outubro de 2009

Velhas Solidões


Ontem, a despertar de um sono fora de hora, uma coisa se deu diante de mim... Acordei e esqueci a minha idade, esqueci pela primeira vez a minha idade... Minuto depois quando me recordei dos números, achei-me velho, muito velho, achei uma memória decadente e um peso inconsciente sobre minhas costas decrépitas. Achei-me quase um ser caduco com velhas enfermidades; um velho Borges escrevendo com areia nos colchões da eternidade.

O que há de seguir agora? Se me acho preso a uma infinidade de anos, fenômenos humanos a mim não interessam, se vivi o infinito é de supor que findei meus conflitos ou que a mim não resta um sonho devido. Mas se tudo isto nego (e nego), posso viver em paz, sem cogitar jamais que a sede é minha ama, e posso estender-me na cama com a vontade de quem conclama, com um verso despercebido, os abraços e a solidão de alguma Calíope... A solidão minha já me cobre as paredes do quarto em que moro e se derrama na cama como quem reina há dois séculos sobre um povo de solidões. Velhas solidões...
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Imagem: foto de Jessica Torre

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Doces Mutantes

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As velas correm por sobre o mar
A selar os lábios e os homens, calar;
E o céu que sussurra ventos alísios,
Arrebata gigantes,
Faz torcer os corações pulsantes,
Sentindo que por sobre a terra
Dista um falar de mutantes...
São imigrantes de um amar divertido
Que beliscam num peito amigo
Delícias de vindouros versos.
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Eulandia Florêncio/Fábio Rabelo

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

domingo, 13 de setembro de 2009

But first of all, please, let there be love


No relógio da sala os ponteiros percussionam os sons das meninices e acrobacias dos pássaros, que por sobre as asas meninos travessos cantam e se deliciam perscrutando os horizontes; correm as asas no céu, e na terra correm os gatos pela vizinhança. A vida apenas é, e por si, eis que me toma pela criança que disse, uma vez, a um pássaro que o céu era infinito, pois que não fosse se perder por aí; e ele me disse, muito obrigado e que no firmamento me esperava.

Na varanda toca ainda Nat King Cole, e é assim que os sons do amor me agarram, as doces vozes, as memórias e as mãos de alguma mulher me tocam os sonhos. Perco-me no balançar da rede, que o vento insiste em abraçar, e na tarde que escurece o sono me busca, e eu durmo como uma criança a brincar de poetar.
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Imagem: foto de Dimitri Castrique

sábado, 2 de maio de 2009

Gentilicamente Brasileiro

Queria começar isto confessando-me... Eu não sou. Creio que logo depois surge a pergunta óbvia, o quê? E a minha resposta vem trajando feições mecânicas, não pela complexidade de engenhoca, mas pela noção impreguinada, arraigada em meu cerebelo, noção que dá vida a este texto. Eu não sou qualquer coisa. Até aqui há um significado ambíguo, e aí eu torço que captem o necessário.

Primeiro, é que para ser, eu que teria de estar preso em coisa que me desse uma fixidez, uma austeridade de código binário, sem dupla interpretação. Nem a idéia poderia dar um local apropriado para criar uma entidade com qualquer coisa de imutável.

Quando observo uma noção superficial de identidade, eu aqui me surpreendo. Nasci e moro atualmente num país de quase 200 milhões de habitantes, quando nasci eram menos, lógico, a taxa natalidade aqui ainda é alta, mas esse valor não dirá nada. Onde moro, nos chamamos de fortalezenses, de cearenses, e, em instância posterior, de brasileiros. Sou goiano de nascença, embora não saiba o que bem isto signifique. Como brasileiro, não tenho escapatória, poderia ser tupiniquim, filho de Tupã, ‘pindoramês’, talvez conhecesse parentalmente a história cabralina, do Cabral santareno ou do recifense, seria um cabra por herança sanguínea; cada local, nesse sentido, me dá um gentílico distinto, é parte dessa identidade que abordo. No entanto, se isto se configura como uma forma de identidade, o que seria o ser brasileiro?

Pois enfim, eu não gosto de carnaval, de festa, ou de folia, não gosto de sentar a bunda num sofá para assistir a um jogo de futebol, se ‘torço’ para algo, é por mero costume. Não me é dado um motivo que justifique racionalmente uma torcida num jogo de futebol, vibrando freneticamente numa arquibancada de concreto. Para ser bem sincero, aquele calor humano que tanto caracteriza o estereótipo brasileiro, não conheço bem. Mentiria aqui, se repetisse que não gosto de gente, não gosto é grandes grupos, não gosto de multidão, só conheço o colóquio praticado entre duas pessoas, acrescente uma ou duas pessoas a isso ainda, mas só. Eu gosto do mar, gosto daquele cheiro salgado das águas, gosto sentir a areia passar por entre os dedos; quando falamos da música brasileira, eu gosto da bossa-nova, da tropicália, um pouco talvez, daquele samba bem antigo, do baião nordestino, e pronto. Podemos mudar de assunto. Não continuo aqui, por uma observação da literatura brasileira, pois aí, não teríamos um padrão brasileiro. Alguns cá, até dizem que brasileiro não lê. Eu não concordo, mas não também não discordo. Passemos, pois.

Há alguns meses eu conheci uma canadense, e a quem posso jurar ter utilizado a expressão ‘my dear brasilian canadian girl’, ou algo semelhante, pensei comigo que havia encontrado uma estrangeira mais brasileira do que eu. A coisa é por demais confusa, por isso, eu gostaria de eliminar essa marca de gentílico. Adeus, gentílico!

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Adeus

Eu nunca fui sábio
Eu nunca fui santo
Nunca me predispus a tanto
Os adjetivos me faltaram ainda muito cedo
Para me caracterizar do ser que eu não sou
Sempre andei despido
Com barbas acomodadas
Cabelos embrenhados
Óculos embaçados
Andava com um livro no braço
Outro braço na nuca, para desencabular a realidade
Meu único pecado, porém, foi ser louco
Acreditar na comunicabilidade das palavras
Escrevê-las em filas, no rabiscar do lápis no papel.
E escrever-me, escrever-me, escrever-me...

Ao fim, doeu-me ser enjeitado pelos anjos dos homens,
Pelas palavras torpes, pelo silêncio selvagem,
Por me ver obrigado a dar a meu único anjo meu último adeus.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Fortaleza

Praia de Iracema - 1939



Como o tempo passa e o homem muda, e não só a si quanto ao que lhe rodeia. Bicho inquieto somos...


(Tirando foto guardada no pc... Dessa época datam os primeiros passeios pela orla da praia)

domingo, 29 de março de 2009

O Ateu Cristão

Eis a minha descoberta, chego a cabo de uma definição, do ponto de vista léxico, horrenda, mas a semântica me perdoa um pouco o título, pois sendo a descoberta mais sutil do me foi previsto, esbarro na incomunicabilidade do conceito em grossos modos. Ao longo da minha vida, uma constante de parcial incompreensão fundiu-se a mim sobre o aspecto de uma questão. A questão tinha um nome, um nome bem barulhento, chamava-se religião.

A religião até o auge da minha adolescência provocou-me a confusão mais aguda cuja idade tenra pode me dar. Confesso que sequer entrava em minha cabeça a necessidade dela. Esta me parecia uma grande neurose coletiva. Hoje, não digo que ainda assim não a veja, de modo parcial, mas posso aceitar a comum necessidade dos povos quanto a sua existência. Porém, há alguns anos muito mudou o meu olhar, após a minha apresentação às grandes religiões orientais: o budismo, o hinduísmo, o bramanismo... Digamos que elas puderam elucidar o ponto obscurizado através dos séculos, na doutrina religiosa judaico-cristã. A investigação do ser, sobre o ponto mais intrínseco ao homem, ou a necessária compreensão de si. O budismo mostrou-me de forma mais clara, naquela época, em que se baseava sua existência, mostrou-me os anseios dos homens sobre a forma das questões bem esplanadas. Em verdade, o que ele me passou fora, simplesmente, uma sensação, uma idéia infinda ou ainda sua dignidade de abrir-se aos homens.

Mas não é ao budismo que pretendia chegar, e sim à minha descoberta, descoberta pedante, dirão alguns, talvez pretendesse ser, afinal não fui balizado pela ciência que rege os homens, portanto, tomo por descoberta, em própria conta, o desenvolvimento da religião cristã (limito-me aqui para não explorar áreas que não me foram muito observadas). E posso declarar que sua adoção está consolidada na culpa. Sim, na culpa está a causa da enorme institucionalização do cristianismo.

Regressemos alguns anos para entendermos o fato. Se possível, recordemos a nossa vida infantil, nossos sonhos, desejos, nossa convivência com nossos genitores, feita de longas datas. Creio que é fato quase generalizado de que durante essa época, idealizamos nosso amor imaturo em nossos pais, mais comumente no nosso genitor de sexo oposto. Nosso mundo é limitado, estando ele reduzido aos pais, nossos objetos de apreço, satisfação, e, portanto, impõe-se a nós a entrega exclusiva deste amor. Aprendemos aí, a vivenciar o amor cego, sem medidas, sem questionamentos quanto à sua origem. Até seria anti-evolutivo questionarmos o nosso único meio de sobrevivência nessa idade ingênua.

O amor, nesta fase, quer viver de forma absoluta pela primeira vez, e para tanto, julgamos necessário doarmo-nos de todo. Pretendendo também, recebermos este de forma ilimitada, um amor exclusivo, pois temos nesta fase o desenvolvimento mais aguçado do instituto do ‘eu’. Reconhecemos, apenas, como nosso, aquilo que remete unicamente a nós, tal como nossa consciência do ‘eu’. No entanto, aí surge nossa primeira grande decepção, pois o nosso objeto de desejo não pode entrar no hall de nossas posses. Irrompe também, a percepção da concorrência ao nosso objeto, que nos faz desenvolver durante esse período, através da supervaloração do ‘eu’, uma atitude egoísta, reflexo do medo de perder nossos objetos de desejo. É reconhecido que durante o nosso desenvolvimento, este caráter egoísta será mitigado, ainda que perdure vivo em nós. Bom, não faço aqui qualquer observação nova, apenas transcrevo conhecimento já existente e elucidado na psicologia.

A nova se dá, sobretudo, na sobrevida desse egoísmo e suas consequências, que elucidados ou não quanto a sua existência, somos capazes de percebê-lo por vias intuitivas e inconscientes, como agentes formadores de nossos atos. Nosso amor para com os nossos pais, não é senão um amor por nós mesmos, em essência; não os amamos por eles, amamos por nós, porque nos vemos extremamente dependentes deles. Se pudermos aceitar o egoísmo de tal forma, podemos passar adiante, pois seremos capazes de vermo-nos, de uma forma não pejorativa, como seres egoístas por natureza, por necessidade.

O grande problema se dá pela condenação internalizada do egoísmo, gravada em nós como uma marca vil, e nada nobre em natureza. Não posso negar que diante dos interesses da sociedade, o egoísmo não tenha razões de não ser condenado. Conquanto fosse necessário, ainda assim é socialmente repudiável. Mas a fixação dessa necessidade consciente ou inconscientemente, é causa de um sentimento de culpa. Somos culpados diante da sociedade, por sermos dopados por nossos egos. É aí que surge o cristianismo, como a doutrina da culpa, culpa esta deslocada para imagens mais aceitáveis, que não nos corrompa o ego. Somos culpados pela morte Cristo, que morreu em nosso favor. Esta culpa é mais aceitável, à medida que, compartilhamos esta, de forma clara, com todo o mundo. A carga de culpa é diminuída, e na própria imagem nos é dada a solução. Solução simples, mas eficiente, pois é através do sacrifício próprio que descarregamos esta culpa, tornamo-nos ‘livres’ novamente. No entanto, é preciso nos atentar que não deixaremos de ser culpados em prol de nossas boas atitudes, mas estaremos tentando compensar com o altruísmo a nossa carga natural de egoísmo, o que nos é agradável, e digo que até saudável.

O racionalismo puro não pode compreender esta funcionalidade, pois ali, a culpa é mitigada por outros meios. E cabe-me observar que a culpa é de difícil percepção como um instinto bem constituído, como sensação lógica sobre a óptica biológica do homem, que não se confessa pecador de atos irrelutavelmente necessários. A palavra pecador sempre foi traduzida como adjetivo dependente de um contexto, mas o contexto não importa para sua existência. Não importa para isto uma pena criada pelos homens, um elo ao sofrimento de uma entidade divina, a não ser que nos consideremos estas entidades divinas.

Por último, recordo-me que Nietzsche condenava o cristianismo, dado que este reduzia o poder do homem, portanto, era o cristianismo um mal. Para mim, este conceito é ambíguo. Enquanto o poder do homem submisso ao cristianismo é reduzido, seus fardos morais são descarregados, tornando-o novamente um homem forte, pois terá seus pecados todos perdoados enquanto este tiver fé.

Eu, não dado a religiões, resumo meu comportamento ao de um ateu cristão, posto que me utilizo da solução cristã para a mitigação do sentimento de culpa.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Numa Linha de Tricô

Vez por outra, eu muito olho
Se eu sou o outro,
Se não caminho sobre os pés do outro dono.
Quando chego às aerovias plantadas noutro peito
Entrego-me a tanto disparate
Que os dois dos dois pecados da alma
Alcanço de relance,
O que é para mim um tremendo charme.
Fecho os olhos, respiro duas vezes,
E faço do mundo um conceito.
Se pequeno ou grande, não ligo bem os fatos.
Prefiro andar desentrelaçando uma horda dos meus nós.


Antonione Bradove

domingo, 15 de março de 2009

Espaço

Eis o espaço, aqui se faz!

Está certo que cibernético, mas ainda um espaço, feito sobre as bases das insólitas hastes de Pompéia para o mundo e a concretude das idéias. Farei do desanuvio da alma ou do macular desta a matéria impalpável deste espaço. E creio que não tendo eu outro motivo senão meu desafogar de energia libidinosa, será lucro os olhares atentos que aqui se fixarem. A escrita é um ofício curioso, medida que é egoísta o motor da escrita, deste egoísmo surgem as mais belas transfigurações dos instintos desprezados do homem: o altruísmo das transmissões de idéias.

Ao homem nada importa além de si, mas é importando ao homem a sobrevivência própria, que este passa a importar-se com o outro. Não há nada mais certo do que a frase elucidada pelo grande mestre - 'dessa terra e desse estrume é que nasceu esta flor'. Do egoísmo e do arruir medroso é que irrompe, atrevido, o amor. Este, maior patrimônio que coube ao homem.

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Esta introdução eu deixo a cargo do silêncio, por ser mais fiel aos homens.


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(Em breve exprimo o que me cabe dizer)