Eu nunca imaginei que eu usaria esses modos para me
expressar, mas devo dizer... a prosa de Fernando Pessoa é porrada, é uma
pancada no meio do estômago. Ando me espreitando pela prosa de Pessoa nos
últimos meses, inicialmente pelo mistério de Bernardo Soares, semi-heterônimo
em seu “Livro do Desassossego”, e agora com o “Teatro d’êxtase”, que reúne algumas
de suas peças, e a quem não conhece, recomendo que não deixe de passar os olhos
por essas obras. Há duas caraterísticas marcantes em sua prosa e que me chamam
a atenção, a primeira é a fuga para a metafísica muito presente em seus
discursos e a segunda são os arroubos de lirismo. A sua prosa não deixa de ser
muito poética. Para quem busca uma leitura intimista é um prato cheio.
Quero em outro momento falar do “Livro do
Desassossego”, mas deixo abaixo apenas um trecho do “Diálogo no jardim do palácio”,
um dos textos que compõem o “Teatro do Êxtase”:
“(...) A. Às vezes, quando penso muito adentro,
sabe-me a que corpo e alma são uma cousa só. . . Parece-me então que realmente
vemos as cousas de dois lados, que a alma das cousas é aquilo que nos parece
que não vemos delas. . . Não, não é isto que eu te quero dizer. . . Vê, não sei
pensar o meu pensamento!
B. Sim, compreendo o que não disseste. Mas o corpo
não existe, talvez: é a alma vista pela [ ] de si-própria.
A. Não. Não é assim. Não é assim. Mas eu não sei
como é.
B. Vamos jogar, se quiseres, um jogo novo. Joguemos
a que somos um só. Talvez Deus nos ache graça e nos perdoe ter-nos criado. . .
Senta-te aqui, defronte de mim e chegada a mim. Encosta os teus joelhos aos
meus joelhos e toma as minhas mãos nas tuas. . . Assim. . . Agora fecha os
olhos. Fecha-os bem e pensa. . . e pensa. . . Em que deverás pensar? Não, não
penses em nada. Trata de não pensar em nada, de não querer sentir, de não saber
que ouves ou que podes ver, ou que podes sentir as mãos, se quiseres pensar que
elas existem. . .Assim, amor. . . Não movas nem o corpo nem a alma. (...)”